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[Review] Os Afro-Sambas: Reedição de 50 anos

Por Jan Balanco

Os Afro-Sambas (reedição de 50 anos) - Foto: Jan Balanco

Se vivo, Baden Powell celebraria hoje, 6 de agosto de 2017, o seu aniversário de 80 anos. Pensei não haver momento mais propício para publicar uma resenha crítica da reedição de seu mais importante disco, “Os Afro-Sambas”, cuja autoria dividiu com Vinicius de Moraes e completou 50 anos de lançamento no ano passado. Não vou me ater neste texto a questões musicais ou históricas da obra. Esta resenha é para ajudar colecionadores a decidir entre qual edição do álbum adquirir.

Lançado pela gravadora Forma no ano de 1966, o Afro-Sambas álbum teve baixa vendagem e poucas edições no Brasil, mas mesmo assim não há um consenso sobre a ordem de edições do álbum. Há quem afirme que a primeira edição tem capa em papel e disco com o selo amarelo, branco e preto, e a segunda tem capa laminada e disco com selo azul. Todos são datados como 1966, e tem versões em mono e estéreo. À primeira vista essa afirmação parece fazer sentido pois o exemplar de época que tenho em casa foi comprado em 1968 por amigos de minha tia para presenteá-la em seu aniversário e tem selo azul – porém sua capa é de papel, então… Ainda fala-se na existência de um selo vermelho, além é claro do selo branco em raríssimas cópias promocionais. Aparentemente todas edições foram prensadas na mesma fábrica, a Companhia Brasileira de Discos, na Estrada das Furnas, 1467, na cidade do Rio de Janeiro, localizada a apenas 37km de distância da Polysom, onde foi prensada a nova edição, no município de Duque de Caxias também no estado do Rio.

Desconsiderando o tal selo vermelho que nunca vi, a edição do Noize Record Club (NRC) não utilizou nenhum dos selos anteriores e optou por criar um novo. Isso é algo que costuma variar em reedições: poucas se preocupam em reproduzir fielmente o selo da primeira edição, às vezes utilizando selos de edições posteriores, ou acrescentam dados da edição nova a um selo de época, ou apenas utilizam o selo da responsável pela reedição, como é o caso da Mobile Fidelity nos Estados Unidos, e da Polysom no Brasil. Para esta reedição o NRC produziu um selo inspirado na capa do disco, os dois retângulos pretos sob o fundo vermelho. No lado A, um fundo creme recebe dois retângulos em vermelho ocupando a metade superior do selo, e as informações dos lados A e B ocupando a parte inferior. No selo do lado B, dois retângulos pretos grandes flutuam sob um fundo vermelho, em proporção mais próxima à capa, e sem nenhuma informação escrita.

A capa reproduz fielmente a original, incluindo a marca da Forma em branco perfeitamente encaixada entre os retângulos pretos, o ano 1966 no canto inferior direito, e a frase chamariz de vendas: “Sete composições inéditas!”. A única informação retirada é o número de catálogo da Forma que aparecia no canto superior direito, em algumas edições como MONO-FM-16 ou apenas FM-16, e outras com a dupla informação MONO-FM-16 e ESTÉREO-FE-1016, ou FM-16 e FE-1016, ou ainda -FM-16 e -FE-1016, sendo usado logicamente o “M” para versões mono e o “E” para estéreo. No caso das edições com indicação tanto de mono quando de estéreo na capa, quem comprasse o álbum precisaria retirar o disco do selo para checar o número de catálogo impresso no selo, e só então descobrir se tratava-se de uma cópia mono ou estéreo. O mesmo fator supresa também está presente nesta reedição, já que sem indicação na capa apenas ao retirar o disco da mesma o ouvinte vai encontrar a informação de que se trata de uma prensagem em mono.

Na contracapa, a fidelidade à edição de 1966 permanece com mudanças muito pequenas. O texto de apresentação escrito por Vinicius foi discretamente rediagramado, ocupando um pouco menos de espaço e abrindo espaço para as marcas das empresas envolvidas na reedição. A maior curiosidade é a alteração do nome da música “Canto do Caboclo Pedra Preta”, que agora surge como “Canto de Pedra Preta”. Abaixo da lista de faixas, uma linha indica as editoras proprietárias dos direitos, e outra informa: “A faixa 2 (“Canto do Caboclo Pedra Preta”) do lado B teve seu nome alterado a pedido da família dos músicos”. Não sabemos o motivo, mas se é que houve algum relevante, aconteceu faz tempo. O registro mais antigo que encontrei dessa música ser citada como “Canto de Pedra Preta” é no álbum “Show/Recital”, de 1968, de Baden, Marcia e os Originais do Samba.

Como é de costume na maior parte das reedições de discos, sejam brasileiras ou estrangeiras, não há na capa ou qualquer outro lugar do produto informação sobre a fonte sonora utilizada. Mas a Noize informa em uma publicação em seu site oficial que foram usadas as fitas originais. Uma vez que no Brasil o hábito de arquivar e preservar nossa memória nunca foi, e ainda não é, algo usual no ramo fonográfico, merece palmas a santa alma que conservou essas fitas. Sobre o processo de remasterização, não há referências se foi analógico ou digital, mas isso não é impedimento para avaliar como o disco soa, que é o mais importante afinal.

Primeiramente, fiquei satisfeito ao ver que se trata de uma edição mono. Uma matéria na revista que acompanha o disco revela que o mesmo foi gravado nesse sistema, então sua versão mono é, podemos dizer, a verdadeira, e a estéreo uma modificada. O vinil de 180g é um adicional bem-vindo à boa qualidade da reprodução.

Ao pôr o LP para tocar, logo se nota que todos os instrumentos estão mais nítidos. Some-se a isso o fato de ser um disco virgem, sem os ruídos indesejados adquiridos em 50 anos de uso de uma edição original, e a satisfação é imediata já na primeira audição. Em 1966 “Canto de Ossanha” abria o disco com voz principal, coro e flauta com volume desproporcionalmente mais alto em relação à instrumentação. Na edição de 2016 a voz e o coro continuam a predominar, porém sem a notável disparidade da edição original. Após escutar seguidamente lado A e lado B das duas edições muitas vezes e durante vários dias intervalados, concluo que o maior mérito da nova edição é a valorização do violão de Baden, que apesar de dividir a autoria do disco, tem seu som na edição original nitidez aquém da desejada, ficando embolado na frequência sonora. A segunda maior qualidade, em minha opinião, é a limpeza do coro: originalmente as vozes eram distorcidas, e agora podemos escutar com clareza as cantoras do Quarteto em Cy.

Concluída a análise geral do disco, escolhi uma faixa para me dedicar mais: “Canto de Xangô”, que me deu a impressão de o palco sonoro ter diminuído em profundidade e aumentado em largura, deixando a sala com forma mais proporcional. O palco continua bem limitado em tamanho. Vocal e coro estão bem na frente da sala, e a percussão concentrada ao fundo. Os sopros podem ser identificados um pouco à direita, e o violão um pouco à esquerda, mais próximos à percussão e mais distante dos vocais. Temos então um formato de cruz na sala, com os instrumentos nas três pontas superiores, e os vocais na ponta inferior, mais distante dos outros elementos. A excessão se dá pelo, pandeiro, afoxé e flauta, que quando surgem se mostram como solistas na linha de frente junto aos vocais.

Após ter escrito essas impressões, li na mesma matéria que citei anteriormente que a gravação foi feita ao vivo com apenas dois microfones, e em uma sala bem pequena. Assim sendo podemos dizer então que a limitação da dimensão do palco sonoro é um sinônimo de fidelidade ao ambiente da gravação – mais um ponto para a remasterização da Noize, que poderia ter optado por ampliar virtualmente o palco. Quanto aos dois microfones, podemos deduzir que Vinicius, Quarteto em Cy e os instrumentos que se destacam estavam dividindo um microfone, enquanto Baden e demais músicos dividiam o outro. Como é de praxe na música popular, privilegiou-se demais a cantoria, agora enfim equilibrada.

A nova edição de “Os Afro-Sambas” não é daquele tipo que te faz sentir que está escutando um outro disco, diferente do que você conhecia, seja para o bem ou para o mal. O som a que estávamos acostumados não foi reiventando, houve respeito ao original. Mas sem dúvida há momentos de descoberta de detalhes que passaram desapercebidos em audições anteriores, devido ao fato de que muitos instrumentos estavam enterrados no mix. Em minha opinião trata-se de uma remasterização bem acertada, pois ao dar voz também aos instrumentos, e não apenas aos cantores, trouxe a obra para mais perto do caráter ritual de suas músicas, cujo transe a que nos convidam é diretamente ligado ao coletivo, não ao individual. Resumindo: Sem dúvida é uma edição superior à original.

Mesmo se você é um colecionador de edições de época e não curte remasterizações, caso ainda não possuísse nenhum exemplar desse disco valia a pena investir nesta reedição lançada pelo Noize Record Club. No dia em que recebi a minha cópia, fiz uma pesquisa e haviam três exemplares nacionais de época à venda no Mercado Livre, com preço médio de R$ 450. No mercado internacional, a Discogs possuía sete cópias, com preços variando de R$ 690 a exagerados R$ 1.650, gerando um valor médio de aproximadamente R$ 1.000 por disco. Enquanto isso, a nova edição poderia ter sido adquirida por R$ 90 quando foi anunciada. Infelizmente a sua tiragem de 1.500 cópias esgotou, e agora está sendo revendida no mercado secundário pelo triplo do preço, mas tenho certeza que procurando bem deve ser possível encontrar oferta melhor. Notem que ainda assim custa aproximadamente metade do valor de uma edição original em ótimo estado. A decisão final é sua, mas eu recomendo a nova edição tanto para quem não tem o LP, quanto para quem já tem e precisa de uma cópia em melhor estado, ou se deseja ter uma experiência sonora mais completa dessa obra fundamental.

+

Equipamento utilizado:
Amplificador integrado Cambridge Audio 640A
Pré de phono Cambridge Audio 651P
Toca-discos Rega RP6
Cápsula Technics 270C*
Caixas Cambridge Audio S30
Cabos Audioquest Evergreen

*A agulha da minha cápsula principal, uma Ortofon 2M Blue, quebrou, e por isso precisei usar essa cápsula reserva simples durante o teste.

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